Cinco anos após o início da pandemia de covid-19, a origem do SARS-CoV-2 continua envolta em incertezas e polêmicas. A recente reativação da teoria de que o vírus teria escapado de um laboratório chinês reacendeu discussões que cruzam fronteiras entre a ciência, a política e a opinião pública global. Embora a maior parte da comunidade científica continue sustentando a hipótese de origem natural, novos episódios têm alimentado as suspeitas de um possível acidente de laboratório, em especial no Instituto de Virologia de Wuhan.
O ponto de partida da nova onda de especulações veio da Alemanha, onde relatórios não divulgados publicamente, analisados pelo Serviço Federal de Inteligência (BND), levantaram suspeitas sobre manipulações genéticas em laboratório. No entanto, até agora, nenhum dado técnico verificável foi apresentado, e os especialistas envolvidos não disponibilizaram evidências brutas para avaliação científica. A imprensa alemã, como o Univadis Germany, aponta que, apesar da repercussão midiática, os indícios não sustentam uma conclusão definitiva.
Nos Estados Unidos, a polêmica ganhou novos contornos com a supressão de conteúdos científicos sobre a origem do vírus em portais governamentais que anteriormente reuniam informações sobre testes, vacinas e variantes. Segundo artigo publicado no New York Times pelos virologistas Ian Lipkin e Ralph Baric, a omissão de dados técnicos reforça narrativas políticas em torno da teoria do vazamento, sem avanço científico correspondente.
O debate gira em torno de duas hipóteses principais: a primeira, mais aceita pela comunidade científica, é a de origem zoonótica, segundo a qual o vírus teria sido transmitido de morcegos a humanos, possivelmente por meio de um animal intermediário como o cão-guaxinim. A segunda, mais controversa, é a de um vazamento acidental de laboratório, com ou sem manipulação genética prévia. Ambas carecem de comprovação definitiva, mas a hipótese natural conta com maior respaldo em estudos e publicações revisadas por pares.
O mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan, continua sendo apontado como o provável epicentro da disseminação inicial. Pesquisas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China identificaram material genético do vírus e de cães-guaxinim em amostras do local. Além disso, um estudo publicado na revista Science mostrou que, desde os primeiros dias da pandemia, já havia duas linhagens distintas do vírus em circulação, sugerindo múltiplos eventos de transbordamento entre animais e humanos.
Apesar disso, a segurança dos laboratórios chineses também entrou em xeque. Um exemplo recente foi a publicação, em março de 2025, de um estudo liderado pela virologista Zheng-Li Shi — figura central nas investigações sobre coronavírus de morcegos —, que apresentou um novo coronavírus identificado no Brasil. A pesquisa, publicada na revista Cell, demonstrou que o vírus, batizado HKU5-CoV-2, utiliza o mesmo receptor humano ACE2 do SARS-CoV-2. O trabalho, no entanto, foi realizado em ambiente de biossegurança nível 2 (BSL-2), o que gerou duras críticas de especialistas internacionais que defendem o uso de protocolos mais rígidos, como o BSL-4, para esse tipo de experimento.
Mesmo diante da ausência de provas concretas de um vazamento, o uso político da hipótese laboratorial continua a influenciar decisões governamentais, gerar desconfiança em instituições científicas e distrair a atenção de fatores ambientais que contribuem comprovadamente para o surgimento de novas doenças. Entre eles, estão a destruição de habitats naturais, o tráfico de animais silvestres e a falta de fiscalização em mercados vivos.
Em um cenário onde a ciência segue em busca de respostas e as pressões políticas interferem na narrativa, a origem do vírus permanece sem definição conclusiva. Como alertou o historiador John M. Barry, autor de referência sobre pandemias, “quando você mistura ciência com política, o resultado é política” — e, até agora, é essa mistura que parece dominar o debate.
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