Antes mesmo da deflagração da Operação Sem Desconto, que revelou um esquema bilionário de fraudes envolvendo aposentados e pensionistas do INSS, a Controladoria-Geral da União (CGU) já havia identificado falhas graves no sistema de descontos em folha e recomendado a suspensão desses repasses. A conclusão veio após uma auditoria realizada entre abril e julho de 2024, cujo relatório foi tornado público nesta terça-feira (6). O documento evidencia que o Instituto Nacional do Seguro Social intermediava cobranças associativas em favor de entidades civis sem mecanismos eficazes de controle, o que facilitava a prática de irregularidades em larga escala.
No total, a CGU apresentou 12 recomendações ao INSS. Entre elas, a principal era a elaboração de uma proposta formal para encerrar os descontos de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários, submetendo o plano ao Ministério da Previdência Social. A auditoria constatou que os acordos de cooperação técnica firmados com 29 entidades permitiam o débito automático das mensalidades nos contracheques de quase 6 milhões de aposentados e pensionistas, gerando uma receita mensal de R$ 229 milhões para essas organizações. A CGU destacou que não havia garantias mínimas sobre a legitimidade das filiações ou a entrega dos serviços prometidos.
Os auditores inspecionaram entidades em diferentes estados e constataram sérias inconsistências. De uma amostra de 952 beneficiários, apenas 275 tinham documentação completa que comprovasse vínculo associativo e autorização para o desconto. Outros 304 apresentavam algum tipo de irregularidade e, no caso de 373 pessoas, simplesmente não havia qualquer autorização registrada. Além disso, quatro entidades se recusaram a entregar documentos à CGU, alegando que a relação firmada por meio dos acordos era exclusivamente com o INSS, e que a controladoria não teria autoridade para exigir prestação de contas.
O alerta da CGU parecia antecipar os desdobramentos que viriam à tona no fim de abril, quando a Polícia Federal, em parceria com o próprio órgão de controle, executou a Operação Sem Desconto. A ofensiva policial revelou a existência de um esquema nacional de descontos não autorizados em folha, o que levou à exoneração do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e ao afastamento de quatro dirigentes da autarquia e de um agente da PF. O governo nomeou o procurador federal Gilberto Waller Júnior para comandar o instituto e, na esteira do escândalo, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, também deixou o cargo.
Como medida emergencial, o INSS suspendeu todos os acordos com entidades e os descontos foram cancelados para milhões de beneficiários. A Advocacia-Geral da União (AGU) formou um grupo especial para buscar o ressarcimento dos valores desviados e já obteve decisão judicial que bloqueia mais de R$ 1 bilhão em bens de investigados. Paralelamente, o governo elabora um plano de ressarcimento excepcional para as vítimas dos descontos ilegais.
Os números revelam a dimensão do problema. Desde 2016, o volume dos descontos associativos cresceu de forma acelerada. Naquele ano, somavam R$ 413 milhões. Em 2023, esse número saltou para R$ 1,2 bilhão e, no ano seguinte, bateu R$ 2,8 bilhões. Ao mesmo tempo, o número de reclamações também explodiu: entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o INSS recebeu mais de 1,16 milhão de pedidos de cancelamento de cobranças, a maioria sob a alegação de que os descontos não foram autorizados pelos beneficiários.
Mesmo diante dos alertas anteriores e das cifras alarmantes, INSS e Ministério da Previdência ainda não se manifestaram oficialmente sobre o relatório divulgado pela CGU. A apuração segue em curso, e os desdobramentos do caso prometem impacto duradouro na estrutura de fiscalização da Previdência Social brasileira.
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