Uma decisão da Justiça de São Paulo reconheceu a união estável poliafetiva entre três homens que vivem juntos em Bauru, no interior do estado. A sentença, proferida pela juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão no início de julho, validou judicialmente um contrato particular firmado por Charles Trevisan, Diego Trevisan e Kaio Alexandre dos Santos. O documento havia sido registrado em cartório de Títulos e Documentos, mesmo com a proibição vigente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2018 quanto ao reconhecimento formal de uniões entre três ou mais pessoas.
O reconhecimento da Justiça se deu por meio de um contrato particular, já que o CNJ veda a oficialização dessas uniões nos cartórios de Notas e de Registro Civil. A decisão destacou que não há impedimento legal expresso para esse tipo de registro em cartórios de Títulos e Documentos, que possuem funções distintas. No entendimento da juíza, em relações particulares é permitido tudo aquilo que não está explicitamente proibido por lei.
A união entre os três homens começou a ser formalizada em dezembro de 2024, quando Charles elaborou e autenticou um documento registrando o relacionamento. Apesar do contrato ter sido autenticado em cartório, o oficial responsável questionou sua legalidade e solicitou sua anulação, ato apoiado pelo Ministério Público de São Paulo. O cartório chegou a advertir a funcionária que reconheceu firma no documento. A decisão judicial, no entanto, assegurou a validade do contrato e encerrou o processo com trânsito em julgado.
Mesmo após o início do processo, Kaio se afastou do relacionamento, mas manteve o nome no contrato. Charles, que é graduado em direito, afirma que o reconhecimento judicial ajuda a combater o preconceito contra arranjos afetivos fora do modelo tradicional. Ele defende que a formalização da relação, mesmo sem efeitos legais amplos, representa uma conquista simbólica.
Especialistas apontam que, embora o direito brasileiro não equipare essas uniões ao casamento ou à união estável convencional, o caso reflete a necessidade de o sistema jurídico acompanhar novas configurações familiares. A advogada Beatriz Leão, especialista em direito de família, explica que o registro foi possível por causa da complexidade e das particularidades do sistema cartorário. Para ela, decisões como essa mostram que o afeto é uma escolha pessoal sobre a qual o Estado deve interferir o mínimo possível.
Ainda não há dados oficiais sobre uniões poliafetivas no país, já que o CNJ proíbe esse tipo de registro nos cartórios apropriados. Segundo a Anoreg-SP, a ausência de estatísticas reflete tanto a limitação legal quanto o preconceito social. Apesar das restrições, o caso de Bauru se torna um exemplo de como a burocracia e a interpretação da lei podem abrir caminhos para o reconhecimento de novas formas de afeto.
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