
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro divulgou, na manhã desta quarta-feira (29/10), que o número de mortos após a megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão ultrapassou 130. Segundo o órgão, foram confirmadas 132 vítimas, sendo 128 civis e quatro policiais. O balanço oficial do governo estadual, no entanto, apresenta números diferentes: 64 mortos e 81 presos.
Desde as primeiras horas do dia, moradores do Complexo da Penha têm levado corpos até a praça São Lucas, na tentativa de dar visibilidade ao que chamam de “tragédia sem precedentes”. Pelo menos 70 corpos foram transportados por familiares e vizinhos, encontrados na mata que liga os dois complexos, área onde ocorreu a ação considerada a mais letal da história do estado. O presidente da associação de moradores, Eriberto Leão, afirmou ter levado seis corpos durante a madrugada ao Hospital Getúlio Vargas em uma kombi.
A advogada Flávia Fróes, que acompanha a retirada dos corpos, relatou que muitos apresentavam sinais de execução, com ferimentos à bala na nuca, cortes nas costas e perfurações nas pernas. O cenário descrito pela defensora motivou um pedido de intervenção internacional. Entidades de direitos humanos solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o envio de peritos e observadores ao Rio de Janeiro. Flávia classificou o episódio como “o maior massacre da história do Rio”.
No entorno da praça São Lucas, as cenas são de desespero. Moradores, incluindo crianças, ajudam a retirar corpos de caçambas de veículos. Uma das vítimas foi encontrada decapitada, e a cabeça levada separadamente em uma sacola. Familiares tentam identificar os mortos, muitos dos quais estão dispostos lado a lado no chão da praça. “Polícia assassina, cadê meu filho?”, gritava uma das mães, enquanto reconhecia o corpo de um jovem de 20 anos que, segundo ela, foi encontrado com os pulsos amarrados. “Dava tempo de socorrer”, afirmou, inconformada.
Fotógrafos e cinegrafistas registraram o momento em que dezenas de corpos foram alinhados no local. De acordo com o ativista Raull Santiago, a exposição foi um pedido das famílias para que o país veja o que aconteceu dentro das comunidades. “É uma cena que entra para a história de terror do Brasil”, disse. Segundo ele, os corpos encontrados na madrugada ainda não foram contabilizados nos dados oficiais divulgados pelo governo. Até o momento, as autoridades estaduais não se pronunciaram sobre a diferença nos números apresentados pela Defensoria.
A operação, iniciada na terça-feira (28), tinha como objetivo prender integrantes do Comando Vermelho, uma das principais facções criminosas do país. A ação, que envolveu policiais civis, militares e federais, pretendia cumprir 69 mandados de prisão em 180 endereços. O governo informou que 81 pessoas foram presas e mais de 100 fuzis foram apreendidos. Durante a ofensiva, suspeitos utilizaram drones para lançar explosivos contra agentes e moradores, numa tentativa de impedir o avanço das forças de segurança.
O confronto transformou o Rio de Janeiro em um cenário de guerra. Vias importantes ficaram interditadas, veículos foram incendiados e moradores relataram intensos tiroteios em várias regiões. Enquanto o governo estadual classifica a operação como um “golpe estratégico contra o crime organizado”, a Defensoria e entidades civis apontam para um episódio que expõe, mais uma vez, a gravidade da violência nas favelas cariocas e os limites da política de segurança pública baseada em confrontos armados.
A Polícia Civil ainda investiga as circunstâncias das mortes e não há previsão para a divulgação de um relatório oficial sobre a ação. Enquanto isso, o número de corpos encontrados continua crescendo, e as famílias seguem em busca de respostas — e de justiça — no meio de uma das maiores tragédias já registradas na história recente do Rio de Janeiro.
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