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Jovem morto em jaula tinha o sonho de ser domador de leões, diz conselheira tutelar

Gerson de Melo, conhecido como “Vaqueirinho”, enfrentou diagnósticos tardios, sucessivas violações e um histórico de abandono antes de morrer aos 19 anos no zoológico de João Pessoa.

01/12/2025 às 12h00
Por: Bianca Guimarães
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Foto: Reprodução redes sociais
Foto: Reprodução redes sociais

Gerson de Melo, apelidado de “Vaqueirinho”, carregava um sonho que parecia maior que a realidade dura que o acompanhou desde a infância: viajar para a África e se tornar domador de leões. Aos 19 anos, o jovem morreu após entrar irregularmente no recinto de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa. O episódio, apesar de trágico, revela apenas o capítulo final de uma trajetória marcada por abandono, fragilidade emocional e falta de assistência adequada.

A primeira vez que o Conselho Tutelar teve contato com Gerson ele tinha apenas 10 anos. Foi encontrado por policiais rodoviários federais caminhando sozinho à beira da estrada, após fugir de um abrigo em Pedras de Fogo. Aos agentes, contou que saíra de casa, em Mangabeira, onde viviam sua mãe e sua avó — ambas com histórico de transtornos psiquiátricos. Apenas mais tarde a equipe soube que a mãe já havia sido destituída judicialmente do poder familiar.

Gerson e os quatro irmãos foram encaminhados à adoção, mas somente ele não encontrou uma família. Segundo a conselheira tutelar Verônica Oliveira, começou ali uma trajetória de rejeição que o acompanharia por toda a vida. Em 2017, uma coordenadora de acolhimento chegou a afirmar que “ninguém adotaria uma criança como ele”, relato que marcou profundamente quem acompanhava o caso.

Nos anos seguintes, Gerson seguiu por instituições de acolhimento, abrigos e, mais tarde, unidades socioeducativas. Era um menino que, segundo Verônica, buscava segurança nesses locais, pois ali recebia cuidados e medicação. Só aos 17 anos recebeu o primeiro diagnóstico oficial: retardo mental associado a transtorno de conduta. Em 2023, um novo documento indicava esquizofrenia — mas o laudo veio tarde, após uma infância e adolescência permeadas por violações, negligência e ausência de acompanhamento especializado.

A vulnerabilidade o levou também a conflitos com a lei. Gerson cometia pequenos atos infracionais, como pegar motos na rua e devolvê-las na delegacia em seguida. A conselheira explica que grande parte desses episódios não tinha relação com criminalidade, mas com sua condição mental: “Ele não entendia o risco, nem as consequências. Todos aqui sabiam que era um caso de saúde mental, não de segurança”.

Na semana anterior à morte, Gerson havia sido detido após tentar arrombar um caixa eletrônico e reagir ao ver uma viatura. Foi levado ao Presídio do Roger, liberado no dia seguinte e encaminhado para tratamento psiquiátrico. Poucos dias depois, entrou no zoológico e acessou a jaula por uma estrutura lateral, comportamento que a conselheira associa a um surto — mas também ao sonho que o acompanhava desde menino.

Segundo Verônica, episódios semelhantes já haviam acontecido. Em uma ocasião, Gerson foi encontrado no trem de pouso de um avião, acreditando que conseguiria embarcar para a África. “Ele queria ser domador de leões. Queria viver algo que, na cabeça dele, fazia sentido. Era o sonho de alguém que nunca teve oportunidade de ser criança”, disse.

Além da ausência de compreensão do risco, Gerson não teve suporte adequado em nenhuma etapa crucial de sua vida. “Todo o poder público falhou com ele. Faltou acompanhamento, faltou cuidado, faltou família”, lamenta a conselheira.

Após o ataque, a equipe técnica do Parque Arruda Câmara informou que a leoa Leona está sendo monitorada e que não há qualquer previsão de eutanásia. O zoológico reforçou que o animal não apresenta comportamento agressivo fora do contexto do ocorrido.

A história de Gerson encerra-se de forma trágica, mas expõe muito mais que o episódio final. É o retrato de um jovem que cresceu à margem, sem apoio, sem pertencimento e com sonhos que tentavam preencher as lacunas deixadas por uma vida inteira de negligência — sonhos que, mesmo impossíveis, eram tudo o que ele tinha.

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