
O consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil mais do que dobrou nas últimas quatro décadas, passando de 10% para 23% da alimentação total dos brasileiros. A conclusão integra uma série de estudos divulgados nesta terça-feira (18) por mais de 40 pesquisadores, liderados por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), e publicada na revista científica Lancet.
O levantamento analisou dados de 93 países e identificou aumento no consumo desse tipo de produto em 91 deles. Em nações de alta renda, como Estados Unidos e Reino Unido, os ultraprocessados já correspondem a mais de 60% e cerca de 50% das dietas, respectivamente. Em países de renda média e baixa, o crescimento foi ainda mais acentuado nas últimas décadas. A Espanha e a Coreia do Sul, por exemplo, triplicaram a participação desses produtos em 30 anos.
Segundo os pesquisadores, o avanço não é casual. Eles apontam que grandes corporações alimentícias intensificaram a produção e a comercialização de produtos altamente processados, impulsionadas por estratégias agressivas de marketing e atuação política capaz de influenciar políticas públicas. O relatório destaca que essa expansão acompanha, no mesmo período, o aumento global de obesidade, diabetes tipo 2 e outras doenças crônicas.
A série de artigos reúne evidências de 104 estudos de longo prazo, dos quais 92 mostram associação entre dietas ricas em ultraprocessados e maior risco de enfermidades como câncer, doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos. Os produtos se caracterizam por combinações de ingredientes baratos modificados industrialmente, acrescidos de aditivos como corantes, aromatizantes e emulsificantes, que tornam alimentos mais duráveis, atraentes e de consumo rápido.
Os pesquisadores reforçam que a tendência afeta países com diferentes níveis de renda, embora os padrões culturais influenciem a velocidade de expansão. Canadá, por exemplo, registra cerca de 40% de participação dos ultraprocessados na dieta, enquanto Itália e Grécia seguem abaixo de 25%.
Diante do cenário, as publicações defendem medidas para reduzir o consumo desses produtos. Entre as principais recomendações estão a obrigatoriedade de rotulagem mais clara para aditivos e excesso de gordura, sal e açúcar; restrições à publicidade — especialmente a direcionada ao público infantil — e a limitação da oferta em instituições públicas. O Brasil é citado como exemplo por causa do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que ampliou o uso de alimentos frescos e estabeleceu metas para reduzir ultraprocessados nas refeições servidas a estudantes.
Outras propostas incluem aumentar o acesso a alimentos in natura, ampliar políticas públicas de incentivo à alimentação saudável e aplicar sobretaxas a determinados ultraprocessados, com recursos destinados à oferta de produtos frescos para famílias de baixa renda.
Segundo os autores, as mudanças no padrão alimentar não devem ser interpretadas apenas como decisões individuais, mas como resultado da influência crescente da indústria alimentícia global, que movimenta cerca de US$ 1,9 trilhão por ano. Para os cientistas, esse poder econômico amplia a capacidade de moldar hábitos alimentares no mundo e reforça a necessidade de políticas de proteção à saúde pública.
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