A experiência de viver nas ruas e resistir ao abandono, à violência e ao apagamento é o ponto de partida da exposição “Até quando”, em cartaz no Museu Mineiro, em Belo Horizonte, até o dia 31 de maio. Assinada pelo QUANDO Coletivo, formado exclusivamente por artistas mulheres com trajetória de vida nas ruas, a mostra reúne 12 instalações distribuídas em duas galerias do museu — a Atrium e a de Exposições Temporárias — e propõe ao público uma imersão sensível e política sobre os limites entre vida, morte e dignidade.
Entre esculturas têxteis, obras sonoras, performances e imagens, os trabalhos revelam fragmentos de memórias que muitas vezes são silenciadas nas paisagens urbanas: objetos descartados, olhares desviados, nomes esquecidos. A artista Ana Pá, integrante do coletivo desde sua fundação, em 2018, já viveu em situação de rua e hoje usa a arte como forma de expressão, denúncia e homenagem. Ela destaca que parte das obras foi construída a partir do diálogo com outras mulheres em situação de rua, muitas delas falecidas precocemente e vítimas de diferentes tipos de violência. “Trazemos a questão do respeito, ou da falta dele. Especialmente para nós, mulheres que vivemos nas ruas, onde a violação é constante”, afirma.
Na Galeria Atrium, o luto e a memória ganham forma em trabalhos como as esculturas que homenageiam antigas integrantes do coletivo, como Milena, uma mulher trans que morreu num abrigo da prefeitura e foi enterrada com o nome masculino. A exposição, nesse sentido, busca restaurar identidades apagadas e devolver a essas mulheres o reconhecimento negado. “Queremos fazer justiça à memória delas. Falamos de morte, sim, mas para reafirmar a vida”, explica o artista e produtor Matheus Couto, também integrante do coletivo.
Além da dor e da denúncia, a exposição também abre espaço para a participação do público. Uma instalação convida os visitantes a escreverem, com giz branco em uma parede preta, suas próprias percepções sobre o que é a vida. A intenção, segundo os organizadores, é estimular reflexões coletivas e afetivas sobre experiências que costumam ser invisibilizadas.
No segundo andar do museu, outras obras ampliam o debate em torno do direito à cidade e à humanidade. O projeto “QUANDO Clube”, por exemplo, subverte a lógica elitista dos clubes tradicionais ao levar estruturas como piscinas infláveis e cadeiras de praia para espaços públicos frequentados por pessoas em situação de rua. Já a obra “Servindo Desaforos”, também de Ana Pá, transforma ofensas ouvidas durante seu trabalho como empregada doméstica em arte, estampando frases violentas em xícaras dispostas sobre uma bandeja de prata — uma forma poética e irônica de devolver o que foi ouvido.
Mais do que uma exposição, “Até quando” é um grito artístico por justiça, respeito e reconhecimento. Para Ana Pá, a participação no coletivo mudou sua vida. “Foi como abrir uma porta nova, pela qual descobri um jeito de me expressar e de mostrar meu olhar sobre o mundo. No começo, achei que ninguém fosse entender ou aceitar, mas o retorno tem sido muito bonito”, diz, emocionada. A mostra, que reúne arte, memória e resistência, é também um convite à escuta e ao olhar atento — até quando a sociedade seguirá ignorando quem vive às margens?
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